-Por esta ordem, disse-lhe.
Ela, para mim: A vossa literatura tem uma ligação especial com o mar…
Tem?
London, que não é nenhum especialista em 'literatura do mar',escreve assim: "...no dia seguinte, enquanto a tormenta ia amainando, Wolf Larsen e eu estudámos apressadamente anatomia e cirurgia e ligámos as costelas de Mugridge. Depois, já com bom tempo, Wolf Larsen navegou em torno do local onde encontráramos a tempestade e penetrou um pouco mais para oeste, enquanto os botes eram reparados e se faziam velas novas..."
Creio que isto não tem nada de especial. Nada, mesmo.
Na verdade, este é um livro sobre o bem e o mal, a razão e o instinto. O bem e o mal em dias calmos e luminosos. O bem e o mal frente a frente nas ondas negras e colossais. Homens bons sem coragem. Marinheiros que tropeçam e caem. Gente que nunca esperou nada da vida e endireita as costelas dos outros. O dia a dia disciplinado e rígido de uma embarcação. Comandantes, nevoeiros, imediatos, botes, bombordo, estibordo, alimentos putrefactos, homens ao mar. O cheiro a sal. Uma mulher. Nada de especial.
Eu, para ela: Estranhamente, nós não temos esta tradição. Não temos uma narrativa do mar. Sobre coisas que se passam entre os homens e o mar. Uns fartos dos outros, em alto mar. Dias e dias seguidos a secar a roupa no próprio corpo. A ver as mesmas caras e a ouvir as mesmas histórias. Uns a conhecerem os segredos dos outros.
O que nós temos, é diferente, temos belos poemas sobre o mar magestoso. O mar delicado e encantado. O mar cruel e implacável (o que mais gostamos). O mar cemitério.
Trata-se sobretudo, de uma relação de reverência (o que não nos coíbe de o encher de lixo, pela calada da noite, mas pode ajudar a explicar o mistério do incomportável preço do peixe).
Uma vez por outra, devíamos tentar tratá-lo por tu. Sem compromisso.
Sem comentários:
Enviar um comentário